O mundo está em constante transformação. Isso é resultado de organismos se copiando imperfeitamente, o que inevitavelmente os adapta aos seus ambientes. Por exemplo, plantas que desenvolvem mecanismos para atrair ou repelir insetos, e insetos criam métodos para extrair recursos delas. Isso é o que chamamos de coevolução. Essas interações não criam apenas novas espécies, mas ecossistemas inteiros. Não sabemos a origem da primeira unidade replicante, provavelmente foi uma molécula autorreplicante como o RNA, mas depois de surgir, a vida modificou radicalmente o planeta.
Variações genéticas, quando benéficas, aumentam a chance de sobrevivência e reprodução dos organismos, o que constitui o princípio básico da seleção natural, conforme proposto por Charles Darwin (1859) e posteriormente refinado por autores como Mayr (2001) e Gould (2002).
Em O Gene Egoísta, Richard Dawkins (2006) propõe que os genes, e não os organismos ou as espécies, constituem a unidade fundamental da seleção natural. Essa perspectiva, conhecida como reducionismo genético, entende os seres vivos como "máquinas de sobrevivência" construídas por genes para assegurar sua própria replicação. Embora essa abordagem tenha sido amplamente influente, ela também foi criticada por negligenciar o papel das interações epigenéticas, ambientais e sociais na evolução (LEWONTIN, 2000).
Dawkins enfatiza que os genes não têm propósito moral ou teleológico; eles persistem porque se replicam com eficácia. Isso significa que os organismos, incluindo os seres humanos, não representam uma progressão rumo a um ideal, mas sim configurações funcionais bem-sucedidas em determinados contextos ecológicos. A expressão fenotípica de um gene é sempre mediada por uma rede de interações com outros genes e com o ambiente.
No capítulo final de sua obra, Dawkins introduz o conceito de meme, definido como uma unidade de informação cultural que se propaga de mente em mente, por imitação ou comunicação simbólica. Os memes, segundo ele, obedeceriam a uma lógica análoga à dos genes: variação, seleção e replicação (DAWKINS, 2006). Ideias, canções, estilos de vestir e tradições seriam exemplos de memes, passíveis de se combinar, se transformar ou desaparecer, conforme sua capacidade de persistir nos sistemas culturais.
A analogia entre memes e genes apresenta limitações. Enquanto a replicação genética é baseada em mecanismos bioquímicos relativamente estáveis, os memes dependem de sistemas simbólicos, práticas sociais e processos subjetivos que desafiam os modelos estritamente darwinianos (AUNGER, 2002). Alguns autores espiritualistas ou de orientação psicológica interpretam o ego como um meme complexo que protegeria estruturas de identidade, mas essa extrapolação não tem fundamento empírico ou teórico e se aproxima mais de metáforas especulativas do que de ciência cognitiva (DENNETT, 1991).
Adotar uma visão memética extrema, segundo a qual toda ideia seria apenas um artefato replicador, implica um determinismo cultural que ignora mediações históricas, sociais e éticas. Tal abordagem ignora a agência humana, a reflexividade e o papel das instituições e lutas simbólicas na produção cultural. Como defendem autores da sociologia da cultura, como Bourdieu (1990) ou Geertz (1973), a cultura não é um sistema automático de transmissão, mas um campo de disputas e significações.
Portanto, a teoria dos memes proposta por Dawkins não constitui uma teoria abrangente da cultura humana. É preciso superar o determinismo memético e considerar a complexa interação entre biologia, história, linguagem e sociedade.
Referências:
AUNGER, R. (Ed.). Darwinizing culture: the status of memetics as a science. Oxford: Oxford University Press, 2002.
BOURDIEU, P. The Logic of Practice. Stanford: Stanford University Press, 1990.
DARWIN, C. On the Origin of Species. London: John Murray, 1859.
DAWKINS, R. O Gene Egoísta. 15. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. (Original publicado em 1976).
DENNETT, D. Consciousness Explained. Boston: Little, Brown, 1991.
GEERTZ, C. The Interpretation of Cultures. New York: Basic Books, 1973.
GOULD, S. J. The Structure of Evolutionary Theory. Cambridge: Harvard University Press, 2002.
LEWONTIN, R. The Triple Helix: Gene, Organism, and Environment. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
MAYR, E. What Evolution Is. New York: Basic Books, 2001.